Bueiros Barrocos: densidade (-) dourado (+)

2004
Registro de ação no espaço público

PROJETO IMPOSSÍVEL/IRREALIZÁVEL
Pintar com tinta dourada todos os tampões do Rio de Janeiro.
Douração Impossível.
Fazer ouro, ourificar, tornar dourado, fantasia impossível.
Tornar dourado o tampão do bueiro, a tampa que guarda o sub, o que está por debaixo, o desconhecido, o não visível.
Tentar amenizar dourando a tampa,modificando a sua aspereza.
Na poética da douração o sujeito-objeto torna-se poético.
Deixar rastros poéticos de buracos dourados pela city...
Pontos de dourado, buracos registros, fazer refletir aquilo que ninguém percebe.
Fazer o espectador( transeunte) se aperceber que um simples tampão pode ter sua beleza plástica, dourando a forma circular com caracteres gravados.
Um tampão, uma tampa pesada,”flooting”.
Fazê-la flutuar na densidade do urbano.
Receptáculos dourados, passíveis de contemplação, de indagação.
Formas circulares tomadas por cor que brilha e os torna fantasiosos, sublimes...
Tampões dourados, refletindo luz...

Marilia Jaci
outubro|2004


Este registro foi apresentado como Projeto Impossível/Irrealizável  no 2º Salão Internacional Laisle.com Fraenkelstein Art Projects em exposição itinerante, passando pelo Espaço DUREX no Rio de Janeiro, Espaço Branco dos Olhos em Recife e pela Galeria Project 142 London-UK, todas no ano de 2004.






Bueiros barrocos

O trabalho enfatiza a transformação como marca do artista.

A necessidade de pintar/de dourar os bueiros espalhados pelas calçadas da cidade faz parte da procura, através do olhar, de espaços possíveis de manifestação da arte. Os bueiros dourados são resultados de uma obra, e o fazer/o gesto artístico - o processo. Não necessitamos da obra em si, percebemos o processo e somos capazes de registrá-lo mentalmente ou com a ajuda da tecnologia, através do vídeo, da fotografia etc.

Assim, ao pegar o spray e pintar de dourado os bueiros/tampões de ferro fundido que separam o mundo subterrâneo (onde passam/são escondidos o esgoto, o gás, os fios etc.) do mundo urbano/terreno, a artista marca, com a pintura, a passagem de um mundo para outro. Fornece meios para que outros percebam que estes bueiros/tampões funcionam como acabamentos/divisões, pontuando esconderijos - algo que não deve ser visto/percebido. Assim, a cidade se protege.

Sendo assim, os bueiros/tampões que passam imperceptíveis, apesar do tamanho e da quantidade, aparecem ... DOURADOS. Ocorre aí que o olho repara a marca. O olhar desce ao chão. O artista é aquele que precisa buscar, perceber, agir. Ao dourar a tampa, está carregando consigo tudo que está submerso, o submundo, o subconsciente, as extensões de outros níveis não visualizadas neste nosso mundo.

Além disto, sublima através da cor, da poesia do gesto. Porque a poesia não se encontra apenas nas palavras, mas também no ato. Transforma toda energia contida no subterrâneo, em dourado (o dourado nas pinturas bizantinas também representavam o que estava acima da terra: o céu, o infinito, também a aura dos santos nas pinturas medievais) no seu fechamento, para continuar contida, submersa, apenas representada em seu potencial através da cor.

O trabalho nos remete ao barroco não só pelo que o dourado representa na história da arte, mas também ao teatro, ao drama, ao grande gesto da pintura. Um esforço sobre humano (porque o barroco tensiona) de nos fazer crer que o que assistimos, o que está sendo representado, é a própria realidade, nos deixando extasiados.

O que está em questão é o espaço interno – o lado de dentro, embora a pintura seja no nível da rua, nos bueiros. Nas igrejas barrocas só percebemos a extensão do poder de seu interior quando analisamos a simplicidade do lado de fora. O barroco nos pega por dentro.

Neste trabalho o que é visto é apenas o tampão dourado, fato que por si só faz com que os olhos baixem ao solo, levantando questionamentos sobre um interior, submerso, o qual precisa ser acessado e que mal percebemos ao passar pela cidade.

Célia Cotrim
Rio, 14 de outubro de 2004
(Texto escrito por Célia Cotrim sobre trabalho de Marília Jaci nos bueiros da cidade)





































Marilia Jaci - Sem título - 2010
fotografia

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe aqui seu recado: